domingo, 5 de julho de 2015

Apego às madrastas e padrastos


O artigo 2o  da Lei 13.058 diz:  Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.

O que temos notado na prática é que esse ‘equilibrado’ está bastante desequilibrado. Alguns genitores conseguem na teoria a Guarda compartilhada, mas nas sentenças o que vemos é praticamente uma guarda unilateral favorável a uma das partes.
Existem pais que conseguiram ‘permissão’ para ficarem com seus filhos duas horas por semana, outros, um final de semana por quinzena. À isso chamamos de equilíbrio? É mesmo necessário ‘concessão’ de horas? Não seria mais fácil e menos litigioso que o judiciário apenas mantivesse o direito inerente aos genitores de livre acesso e convivência com a prole?

É amplamente conhecido por todos que hoje em dia os ‘filhos do divórcio’ após separação dos pais, ficam sob os cuidados dos novos parceiro(a)s de seus pais ou mães, passando mais tempo com madrastas e padrastos que com o pai ou mãe biológicos e estreitam vínculos amorosos afetivos com estes em detrimento dos outros.
Por esse motivo se faz urgente e necessário a ampliação dos horários de convivência para tempo equilibrado. A criança tem direito de receber valores éticos, morais, religiosos de ambos os genitores. Quanto mais tempo a criança passa com um cuidador, maior serão os laços identificatórios que estabelecerá com este, sendo assim, o padrasto ou madrasta estabelecerá mais normas, regras e limites sociais que o genitor não guardião.

Com horário de convivo equilibrado quem não detém a guarda poderá representar figura atuante e participante na educação do filho.

Com o desenvolvimento das pesquisas em neurociências, cada vez mais vem se discutindo a importância das relações. Somos seres sociais, dependentes desde o nascimento de outro indivíduo para nossa sobrevivência. Nosso cérebro é moldado a partir das interações com outro, em que fazemos conexões e redes para podermos processar informações. Entretanto, esses estudos apenas estão confirmando aquilo que já vem sendo discutido: a necessidade não só de olharmos as relações, mas também como elas são construídas desde a infância.

Infelizmente existe ainda muita confusão e os casais separados misturam ainda conjugalidade com parentalidade e após separação os indivíduos estão perdendo os laços amorosos afetivos com os filhos.

A criança sofre com as separações das figuras de apego principal e essa perda não seria compensada por figuras subsidiárias (madrastas e padrastos, por exemplo).
As principais rupturas da relação mãe/pai/criança são os precursores da psicopatologia na criança, ou seja, sua relação com a mãe ou pai é de grande importância, assim como para o seu funcionamento futuro.

Não estamos aqui querendo falar mal dos pais e mães substitutos, muito pelo contrário, já que o papel do cuidador implica em permanecer disponível e responsivo à criança, mas deveria intervir apenas algumas situações, por exemplo, quando ela se encontrasse em situação de perigo. A saúde mental pode ser influenciada por como essa relação com o cuidador é moldada. A criança deve ter seu direito de convivência com pai e mãe biológicos garantidos, pois, à priori, eles devem ser a figura de apego principal.

É para o pai e mãe que a criança deve se dirigir quando precisar de suporte e proteção.
Embora madrastas e padrastos estejam próximos fisicamente da criança, é importante que ela saiba que os pais e mães biológicos lhe darão proteção e suporte quando necessário. Estes devem ser o ‘porto seguro’ para os filhos, sempre que necessário.
A ligação de apego é definida pela ligação emocional existente entre o indivíduo e sua figura de apego (figura específica e não substituível), criando-se uma relação emocional significativa. Além disso, o indivíduo tem o desejo de manter-se próximo à pessoa, causando sofrimento quando há separação. (Rholes & Simpson)
Por esse motivo me preocupa a distribuição desigual de horários de convivência visto nas sentenças judiciais.
Filhos do divórcio são ‘obrigados’ a uma abrupta mudança da figura de apego. Necessitam construir relações de apego com outras pessoas que não seus pais. Muitas vezes essas relações de apego se tornam mais forte com padrastos e madrastas que com os próprios pais que se tornam seres ‘apagados’, ‘sem expressão’, ‘ocos’. Em casos extremos existe um total desligamento dos pais biológicos.
Com ‘visitas’ (convivência) espaçadas as crianças em situação de estresse ou perigo irão buscar ajuda com pessoas de confiança e conhecidas e estas serão os padrastos e madrastas, o que acaba chateando o genitor não guardião e dando à criança uma falsa sensação de abandono por parte do familiar ausente. Inconscientemente a criança começa a desenvolver ‘angustia’ e ‘raiva’ pela separação.
“Não havia mais espaço, dado ao nosso estágio civilizatório, para que o contato paterno-filial ou materno-filial permanecesse de forma espaçada e superficial. Os processos judiciais comprovaram que as visitas esquadrinhadas, com dia e hora determinados, provocavam fortes angústias em pais e filhos, durante os encontros, e também nos momentos anteriores e posteriores à sua ocorrência, sempre marcada por separações e espaços dilatados entre os reencontros”. (Angela Gimenez, magistrada, titular da Primeira Vara Especializada em Família e Sucessões de Cuiabá e Presidente do IBDFAM-MT).
Não é qualquer separação que causa mazelas na personalidade, mas sim aquelas que causam privação à criança e uma criança não deve ser privada de conviver com ambos genitores em número de horas iguais ou equilibradas.
Na clínica tenho percebido claramente que crianças que vivem a maior parte do tempo com madrastas e padrastos têm grande dificuldade de voltarem a ter a mãe ou pai como figuras identificatórias, de respeito ou de limites.
É bastante comum reclamações dos genitores que não detêm a guarda, de que a criança não o obedece, e que a cada encontro percebem que estão perdendo o poder familiar. Algumas crianças chegam a pedir permissão para madrasta para ir a tal lugar com a mãe. Não postam fotos nas redes sociais com a genitora, mas com a nova esposa do pai sim (meninas que estão sob guarda paterna). As conversas no whatsapp também são constantes. A criança sente necessidade de fazer um ‘pacto de lealdade’ com a madrasta, pois, ela se tornou a cuidadora. Informam até o que a mãe fez para o almoço, lanche o jantar.
Os meninos sob guarda materna que vivem com padrastos se identificam com estes. Muitas vezes recusam que pai os levem ao futebol, judô ou inglês. No dia dos pais é para o padrasto que querem dar o presente feito na escolinha.
Tudo isso acontece, porque, o judiciário não tem aplicado a lei da Guarda Compartilhada na íntegra e o pai ‘visitante’ se torna de fato uma visita na vida do filho, se torna um estranho.
Com o casa – descasa da modernidade, como ficarão essas crianças se mamãe ou papai se separarem da madrasta ou padrasto, se eles perderam o vínculo com os pais biológicos? Terão que entrar com Ações de abandono afetivo contra os padrastos e madrastas?
Pai é pai. Mãe é mãe e essa situação não muda com a separação. Sem dúvida a ajuda dos padrastos e madrastas são muito bem vindos, mas é necessário e urgente que se restabeleçam os vínculos amorosos afetivos com os familiares. Como fazer isso? Aumentar o tempo de convívio entre pais e filhos já é um bom começo.
Mãe incentive seu filho a conviver com pai. Pai, incentive o filho a conviver com a mãe. Com a separação a família não acabou, apenas se transformou.



2 comentários:

  1. Texto esclarecedor dra. Liliane. Muito obrigado!

    ResponderExcluir
  2. Muito bem, tenho comigo que a ambos os genitores devem permitir o desenvolvimento natural do filho em comum, lhe dando somente instruções moral, regras de convivência social e muito amor, muito amor mesmo e respeito a infância e a individualidade da criança, bem como compreender suas emoções e escolhas, visto que é um ser humano distinto, com sentimentos próprios, e sua supressão pode acarretar em danos psicológicos irreparáveis, como foi o caso do meu irmão que cometeu suicídio. Dra. excelente trabalho, conscientizar é a melhor forma de construir uma sociedade emocionalmente saudável. Salaam Aleikum

    ResponderExcluir